“Um gestor responsável cumpre com o seu dever”

Considerado com um dos decanos mais jovens na função de conselheiro em Tribunal de Contas, Antonio Julio Bernardo Cabral ingressou na corte de Contas amazonense no ano de 2000 e foi nomeado pelo saudoso governador Amazonino Mendes, por indicação da maioria dos deputados estaduais. Filho único do senador José Bernardo Cabral e de Zuleide da Rocha Bernardo Cabral, de quem não esconde o orgulho e a paixão, o conselheiro Julio Cabral é formado em direito e já foi deputado federal. Nesta entrevista, além de reconhecer o trabalho desenvolvido por outros conselheiros à frente do TCE, ele falou de sua experiência como parlamentar, como presidente da Corte e ainda como corregedor/ouvidor da corte de Contas.

DECOM — O senhor fala dos pais sempre com muito orgulho. Eles são o seu referencial?

Júlio Cabral — E vou continuar falando. Eu acho que, como todas as pessoas mais ou menos normal, a família e os pais são referência até o final da vida. Em relação ao meu pai, essa atitude que eu tomo é explicada porque ele passou pela política toda limpo, não que ele seja perfeito, lógico, mas não há nada que o desabone a conduta dele. Acho que contribuiu muito, não só para o Amazonas, mas pro Brasil. Logo não há mistério nenhum em me orgulhar ao falar dele e por ser filho dele e sempre vou me orgulhar cada vez mais, tanto dele, José Bernardo Cabral, quanto da minha mãe, Zuleide da Rocha Bernardo Cabral. Sou filho único e orgulhoso de ter eles dois por perto.

DECOM — O senhor foi deputado federal por Roraima, como aconteceu sua indicação para o TCE-AM?

JC — Fui indicado pela Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam) em 2000. Meu nome foi aprovado por maioria absoluta. Na ocasião, apenas o então deputado estadual Eron Bezerra (PCdoB) votou contra. Foi o governador Amazonino Mendes quem me nomeou. Ele me chamou chamou na residência dele e disse: “Eu não tenho como agradecer seu pai (senador Bernardo Cabral) por tudo o que ele faz pelo Amazonas, pelo governo. Então, a única uma maneira que eu encontrei de retribuir, se você aceitar, é lhe nomear como conselheiro”. Diferente de outras pessoas no Estado, o meu pai não pedia retribuições. Há 14 anos, desempenho o serviço de forma completa.

DECOM — Como foi sua experiência lá em Brasília como parlamentar?

JC — Não foi das melhores! Ali é muito difícil. Primeiro, se você tem nome, expressão e força, vive naquela cidade bem. Se você for da minoria, não consegue fazer nada, porque tudo ali é complicado. Eu passei por uma legislatura bem tumultuada: fui colega do Carlos Massa (apresentador do SBT Ratinho) e acompanhei a queda do Collor (presidente Fernando Collor de Melo), por exemplo. Os grupos na capital federal são muito fortes e definidos, quando chega uma pessoa de expressão mesmo, fura, mas senão fica por isso mesmo. Não vou dizer que todos os parlamentares fazem parte de um conchavo, mas a maioria é sim. Vale ressaltar que na minha época de adolescente, aos 17 e 18 anos, você contava nos dedos os corruptos que tinham na política. Hoje, infelizmente, você conta nos dedos os que não são. Na minha época, então, não tinha corrupto? Tinha, tinha até um deputado de Minas, que era chamado de “Quinzinho” porque todo mundo cobrava dez e ele cobrava 15. Infelizmente, hoje é difícil ver alguém que lute por algum ideal, é raro, eu diria. Como eu escutei uma vez: “para melhorar, tinha que implodir tudo e começar tudo de novo, do zero”.

DECOM — Há 14 anos no TCE como conselheiro, o senhor tem noção de quantos processos já julgou nesse período?

JC — Eu entrei aqui no dia 5 de maio de 2000, portanto faço 15 anos no próximo ano. Por isso, eu sou o mais idoso no cargo, mesmo sendo jovem na idade. Creio que julgo por ano cerca de 300 a 500 processos, no mínimo. São muitos. Não sou de ficar contando.

DECOM — Foi em sua gestão como presidente do TCE, entre os anos de 2006 e 2007, que o novo e definitivo prédio do TCE foi construído. Como aconteceu isso?

JC — Esse foi um processo muito difícil, deu muita confusão. Você sabe que construção dá muita confusão. Na verdade, obra do prédio foi iniciada na presidência do conselheiro Lúcio Albuquerque e foi entregue na minha gestão. Correu tudo bem, aliás hoje em dia está tudo bem, o prédio está aqui. Um bom prédio que serve como referência, razoavelmente dentro dos padrões.

DECOM — Além de toda a estrutura física do TCE, o senhor destaca outros pontos de sua administração?

JC — Eu procurei equilibrar tudo em termos de finanças, salários, pagamentos dos funcionários. Por que? Porque sempre esqueciam da base, dos servidores. Com o apoio dos meu pares, eu concedi aumento, dentro de um limite possível. Igualei os salários de pessoas que estavam ganhando bem menos com as outras que desempenhavam o mesmo trabalho. Eu comecei a ver mais o funcionário público, porque, na minha opinião, é a base. Eu tiro por aqui, pelo gabinete. Ele seria nulo se não tivesse, por exemplo, a Socorro (Maria do Perpétuo Socorro Lins da Silva) e a Jussara (Jussara Karla Sahdo Mendes). O tribunal depende da base. O pessoal tem que tem o preparo e a remuneração adequada, vai trabalhar melhor. O resto transcorreu normalmente como presidente, não tenho muitas aptidões para fazer coisas novíssimas assim, criar e tal, mas eu levei a carruagem mais além, fiz a minha parte. A minha gestão foi voltada para a base, para os servidores.

DECOM — O senhor já foi ouvidor, corregedor do TCE e presidente da 1ª Câmara mais de uma vez. Qual a experiência dessas duas funções?

JC — São experiências novas e boas. Como conselheiro, a Câmara é um trâmite normal, assim como o Pleno. Eu acho legal é quando você entra em uma Ouvidoria ou Corregedoria, que consegue ampliar o seu trabalho, abrangendo ainda mais. É empolgante mesmo, porque conseguimos lançar também novas medidas para melhorar o TCE. Como corregedor, penso em lançar novas medidas. Na Corregedoria ou Ouvidoria, você procura melhorar com ajuda dos outros e continua o trabalho.

DECOM — Conselheiro, o senhor prefere manter uma certa distância da imprensa. O que aconteceu?

JC — Veja bem, em qualquer profissão existem as pessoas honestas, que fazem seu serviço e outras não. Eu fiquei quase sete meses sem falar com a minha mãe. Fui eleito deputado federal e quando eu cheguei na Câmara dos Deputados, no segundo dia, uma repórter do extinto “Jornal do Brasil” me entrevistou e a primeira pergunta dela foi o que eu achava da ministra Zélia (Cardoso). Respondi normalmente: que se o presidente Collor a escolheu, ela deveria ter capacidade e tal. Na matéria, saiu um trecho que ela seria a mãe ideal. Ocorre que estava naquele período que a mídia falava do suposto caso dela com o meu pai. Aquilo me magoou demais. Até minha mãe acreditar que eu não falei aquilo, foi difícil. A entrevista foi toda deturpada, distorcida mesmo. Você sabe que, dependendo da resposta, a imprensa pode vender tanto com uma outra resposta, mesmo que seja distorcida. Então a resposta ao Jornal do Brasil de que a ministra devia ter competência e foi escolhida pelo presidente Collor não valeu nada como a resposta do suposto caso amoroso do meu pai com a Zélia, que, na época, estava no auge. Eu não gosto dessas coisas. Não sou contra as críticas, as críticas são bem-vindas, mas, claro, dentro dos padrões éticos e normais. Não é que eu não goste da imprensa, eu prefiro não falar com a imprensa. Eu trato bem todo mundo. No jornal A Crítica, com minha foto publicada, falaram que eu saí chateado do plenário e não bem assim. Não tenho em absoluto raiva da imprensa, procuro, se possível, não dar entrevista, mas quando me procuram eu respondo. Só fico torcendo para que saia exatamente o que disse.

DECOM — Decano do TCE aos 60 anos, o senhor viu a transformação da corte. O que espera do futuro da corte de Contas?

JC — Eu vou dar uma resposta que preenche quase tudo aí que possa vir. O papel do Tribunal de Contas é importantíssimo para a sociedade. A maioria ou minoria pode achar um desperdício a corte, mas não é. Eu sou a favor, não só por ser daqui, mas a competência do TCE é provada. Em todos os lugares, têm as pessoas que fazem as coisas andarem bem e outras não. Quando eu entrei em 2000, você não via uma notícia quase no jornal. Nada. Não é do TCE aparecer, é da informação que o tribunal pode disponibilizar ao público, para saber como é que é e o que não é. De 2000 para cá, principalmente, depois da presidência do conselheiro Júlio Pinheiro e, também, com a presidência do conselheiro Érico Desterro. Olha, eu sou justo, eu acho que temos uma cabeça muito grande aqui no TCE é a do conselheiro Érico. Defeitos todos têm, eu tenho vários, mas ele é uma cabeça muito boa, capacitada, sabe muito da coisa e fez uma presidência maravilhosa, um ótimo biênio. No início, o pessoal estranhou, ficou preocupado porque pensavam que ele iria pegar no pé de todo mundo e foi muito pelo contrário. Fez uma presidência completa. Pessoas como essa, como o conselheiro Raimundo Michiles — que é um excelente técnico apesar de ser chato —, como Júlio Pinheiro e também como o conselheiro Josué Filho, só contribuem. Eu acho que a tendência do TCE é melhorar cada vez mais, pelas cabeças que ainda se tem por aqui. Eu, que não sou dessas cabeças, muito pelo contrário, ainda tenho 10 anos por aqui, imagina com esse pessoal como, repito, Érico, Júlio. Eu acho que a tendência é o tribunal melhorar, o voto eletrônico, por exemplo, foi uma das coisas que atualizou e modernizou o TCE.

DECOM — Como o senhor avalia o pessoal que fica reclamando e criticando as indicações dos conselheiros dos tribunais de contas?

JC — Eu tenho uma resposta curta e grossa: a Constituição Federal diz o que? É isso. OS que criticam têm de mudar a Constituição. Como é que se preenchem os cargos dos Tribunais de Contas? Você tem dois técnicos, um oriundo do MPC e um oriundo dos auditores, o resto são cinco. Desses cinco, um o governador que escolhe de própria vontade e os quatro são escolhidos pela assembleia. Para se pensar em ser justo ou não, eu não sei, mas o que a Constituição diz é isso. Se me perguntarem se eu acharia mais justo o ingresso dos conselheiros por meio do concurso, lógico que sim, não tenho a menor dúvida. Inclusive o próprio servidor da casa teria direito. Concurso é a melhor forma de avaliar o que a pessoa pode oferecer. Mas, enquanto não mudarem, vai ter eu, o Júlio Pinheiro.

DECOM — O TCE investe muito na formação dos gestores públicos, mas, mesmo assim, muitos ainda insistem no erro. O senhor teria uma mensagem aos jurisdicionados?

JC — De 4 anos ou 5 anos para cá, vários cursos foram promovidos pela Escola de Contas Públicas (ECP) para os jurisdicionados, mas a presença deles é ínfima, pequena mesmo, como sempre reclama o conselheiro Érico Desterro. Isso é um ponto. Se viessem à escola, não teria porque reclamar das sanções, não é? Eles saberiam mais e poderiam prestar contas da melhor maneira possível. Eu já fui deputado, como já disse, e sei que assessoria desses prefeitos no interior é difícil. Uma vez, tive de mandar meu pessoal para um município porque os funcionários de lá não sabiam providenciar a documentação pedida. Lógico, que hoje está bem melhor. O que eu quero dizer é que a maioria dos erros encontrados aqui não são propositais, por má-fé ou dolo erário, é porque não sabe, às vezes. A ECP existe para isso, ela promove cursos e manda representantes aos municípios como forma de encurtar essa distância, mas os jurisdicionados precisam também colaborar. É aquele negócio: se você é uma pessoa responsável, você cumpre com seu dever. Os prefeitos que cumprem, resultam em contas aprovadas, não tem problema nenhum. Agora, os que fazem besteira ficam com o nome deles como ficha-suja, conforme a legislação, sem poderem se candidatar.

DECOM —   Uma mensagem aos servidores?

JC — Que continuem com a mesma saúde e a mesma vontade de trabalhar pelo Tribunal de Contas do Estado do Amazonas. Levassem isso aqui a sério, porque é o ganha pão de todos. Ninguém é perfeito, como já disse, há erros aqui, há erros ali, mas eu acho que devamos nos empenhar. É de onde tiramos o nosso ganha pão. Então, temos de continuar levando isso aqui mais para cima. E dizer que ficarei triste quando tiver de deixá-los daqui a 10 anos.

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Entrevistador: Elvis Chaves/Fotos: Socorro Lins

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