“Não devemos trabalhar esperando elogios”

Entrevista concedida ao Decom em setembro de 2014

Segundo de 16 irmãos, o conselheiro Raimundo José Michiles, 69 anos,— ou apenas “Bigota” para os maueenses — ingressou no Tribunal de Contas do Estado do Amazonas em 1977, por concurso, para o cargo de auditor do TCE. Formado em contabilidade e direito, Michiles foi nomeado para compor o colegiado do TCE pelo então governador Amazonino Mendes na vaga destinada à Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). A menos de um ano de sua aposentadoria, o conselheiro revelou que já está tirando o pé do acelerador para se preparar para a nova etapa da vida. Apaixonado pela mulher (Aldenora), pela filha (Nayara), pelo neto (Kalled) e pela Bebel (cadelinha), o conselheiro quer, depois de mais de 35 anos de serviços prestados à corte de Contas, estar do lado da família. Nesta entrevista — da série com conselheiros  —, ele revelou que já sonhou um dia em ser prefeito da cidade de Maués, sobretudo por incentivo de amigos de infância que pediam “Bigota para prefeito”, e falou sobre sua chegada ao TCE, além de aconselhar os servidores a fazerem o melhor no trabalho, sem esperar por reconhecimento. Leia.

DECOM – A sua vaga de conselheiro não veio da vaga de auditor, mas da Assembleia? O que aconteceu na época, conselheiro?

RAIMUNDO MICHILES – Escolha. A vaga de auditor estava preenchida pelo conselheiro Lúcio (Albuquerque). Havia vagas pra preencher de conselheiro da livre escolha do governador e da Assembleia (Legislativa do Estado do Amazonas). O governador na época, o Amazonino (Mendes) havia um compromisso/promessa, desde a posse do conselheiro José Augusto, em 2000, que a próxima vaga seria preenchida por mim. Mas a próxima vaga foi preenchida pelo Aluísio (Aires da Cruz) e depois, quando vagou mais, ele me nomeou, pela indicação da Assembleia, mas escolha foi dele e me nomeou.

DECOM – O senhor era do extinto Icoti, mas decidiu vir para o TCE-AM. Em que ano foi e por que?

RM – O concurso para auditor eu fiz foi em 1976. Eram quatro vagas, eu fui o segundo colocado, mas fui o último a tomar posse, porque onde eu estava, no Icoti (Instituto de Cooperação Técnica Intermunicipal), eu ganhava muito mais. A minha filha, a Nayara (Michiles), nasceu no dia 17 agosto de 1976, e em seguida houve o concurso, eu passei e então estava numa fase de ganhar dinheiro. Quando fomos nomeados em março de 1977, eu pedi prorrogação para tomar posse, os outros tomaram posse logo. O primeiro colocado foi o Átila Lins (deputado federal), o segundo foi eu, a terceira foi a Dalila (Silveira) e o quarto foi o Lúcio (Albuquerque). Fui o último a tomar posse, no último minuto do segundo tempo. A história foi essa. Hoje, eu costumo dizer para minha mulher: “Olha, se eu não tivesse tomado posse como auditor no TCE, hoje nós estaríamos puxando uma ‘cachorrinha lascada’, porque o Icoti foi extinto, mas eu já estava aqui, graças a Deus!

DECOM – Nesses mais de 30 anos prestados ao TCE, o senhor tem noção de quantos processos julgou? Qual é a média anual?

RM – Não tenho a mínima ideia, até porque eu não faço conta, não fico contabilizando. Para mim, o importante não é a quantidade, mas a qualidade do julgamento. Então, eu não faço nem questão de aparecer como o primeiro, segundo, terceiro ou quarto a julgar dentro do TCE. A minha meta é a qualidade, isso eu sempre busquei desde que eu ingressei no Tribunal de Contas, procurei sempre fazer um trabalho de qualidade e não de quantidade.

DECOM – O senhor também acompanhou o crescimento e a modernização da Corte de Contas. Tem algum episódio que o senhor guarde na memória?

RM – Eu não gosto de guardar as coisas ruins que acontecem. Em toda repartição existe a inveja, a fofoca, as futricas. Então, eu procuro sempre superar isso. Sempre procurei colaborar com o TCE, trazer o melhor para o tribunal, isso, sim, foi sempre a minha meta. Eu sempre digo aos servidores o seguinte: “no serviço público quem demonstrar competência, passa a ser burro de carga, porque tudo o que os outros setores não resolvem, vai para cima de você. Mas isso não conta ponto, não conta como produtividade. Então, se o servidor está ajudando, orientando alguém, isso aí ninguém observa. Eu sempre procurei ajudar. Hoje, por exemplo, eu ajudo até na parte social do TCE, não só em relação aos servidores. Se tem alguém doente, procuro resolver problema de hospitalização, até parentes de servidores. Aquilo que pudermos ajudar, é válido. Eu sempre agi dessa maneira. Em relação à administração, qualquer pessoa que chegue ao meu gabinete será atendida. Ele estará de portas abertas para qualquer pessoa. Aquilo que eu puder orientar dentro do meu conhecimento, eu oriento. Aquilo que eu não puder orientar no momento, eu vou apurar, aprender e depois retornar com as informações.

DECOM – Em todas as sessões do Pleno, o senhor é um dos conselheiros que mais faz destaques? Gosta mesmo de acompanhar todos os casos?

RM – Bem, eu sou do tempo voto lido na sessão, como ainda é até hoje no Supremo (Tribunal Federal), por incrível que pareça. Os processos iam para a pauta no pleno e o relatório era lido todo. Alguns escreviam, outros resumiam o laudo técnico e aí passavam a palavra pro Ministério Público de Contas, que também lia todo o parecer. Às vezes, você prestava atenção, às vezes não. Tinha uns que conversavam e não estavam nem aí, mas depois concordavam com o parecer do MPC ou com o do relator. Depois de um tempo, os auditores passaram a relatar processos. Então, passamos a fazer os relatórios escritos, a partir da assessoria, já não eram mais só lidos os processos. Em 2008, quando eu estava na presidência do Tribunal, o ministro Mário Campbell me disse, durante sua posse, em Brasília, que existia no STJ um programa de julgamento eletrônico, que você poderia acessar até do exterior o relatório e voto de um processo. Então, nós trouxemos a ideia para cá. Mandamos os nossos técnicos à capital federal, para verificar a possibilidade de trazê-lo. Após constatar a viabilidade, assinei um termo de cooperação técnica com STJ, que possibilitou de o programa iniciar o processo de implementação no TCE. Os programas não são implementados de imediato, até pela dificuldade da parte técnica, mas iniciou em minha gestão. Com o sistema de julgamento eletrônico implantado, houve mais facilidade de acesso ao processo. Quando o relatório é detalhado, completo e responde suas dúvidas, não fazemos questionamentos. Quando não é, você é obrigado a pedir vista do processo, para poder ter mais conhecimento. Quando se discorda do mérito ou de sanção, se faz o destaque. É natural. Por exemplo, se tem uma glosa de tal valor, mas foi dada a oportunidade de defesa para o gestor? Se é um valor pequeno, não seria mais fácil para o gestor recolher esse valor, do que depois contratar um advogado para fazer um recurso? Essas respostas, às vezes, não estão no relatório, não se tem esse detalhe. Então, às vezes, é necessário pedir vista.

DECOM – Com esse ritmo de trabalho, sua assessoria tem de estar sempre a 100 quilômetros por hora? Como ela é composta? Eles tomam o pó de guaraná para aguentar o pique, conselheiro?

RM – Não, só quem toma pó de guaraná aqui sou eu, todos os dias. Antes, depois do almoço, eu sentia sono e tinha dificuldade, hoje não. Quando eu estou examinando um processo e tenho alguma dificuldade, eu chamo a pessoa quem fez o processo, para conversar. Questiono para saber se o que entendi bate com a informação do assessor. Eu examino todas as prestações de contas, balanços, tudo. Eu imprimo o processo e faço análise junto com a pessoa. Tenho uma contadora que faz esse trabalho prévio da análise do balanço, mas eu confiro tudo. São quatro assessores, não dá para o volume de processos que chegam, ainda mais agora com a quantidade de técnicos que nós temos. Então, a partir de 2009, com o concurso, os processos saem com mais facilidade do Controle Externo. Tenho ainda assistentes técnicos que são responsáveis pela análise de prestações de contas de convênios, aposentadorias, pensões e também assessor que se dedica mais à parte de recursos de aposentadorias. Há divergências entre os relatores sobre a aposentadoria. Às vezes, está faltando um documento e é julgado ilegal uma aposentadoria. Eu acho um absurdo. Eu penso que o lado humano precisa ser preservado, não estou nem ligando para ISO. O processo aqui e eu mesmo mando o fazer o ofício e assino para a repartição, para o aposentado, para o pensionista, para trazer o documento, que, às vezes, a repartição não tem. Isso acontece principalmente com as prefeituras do interior. Tem processos mal instruídos, talvez por não possuírem conhecimento. Até porque é muito simples você julgar ilegal e mandar retirar os proventos da folha de pagamento, e etc., e o lado social? E o cidadão que ganha um salário mínimo, como vai sobreviver sem esse dinheiro?

DECOM – Na sua avaliação, qual a principal legado deixado em sua gestão na presidência do TCE?

RM – Eu acho que cada presidente exerce o seu papel. Infelizmente no TCE não há uma continuidade a determinados projetos e programas que você implementa. Isso acontece em toda repartição, aqui no Tribunal, na Assembleia, em todas as repartições, o que o outro fez não serviu nada. Fazer o quê? Eu coordenei o Programa de Modernização do Controle Externo dos Estados e Municípios (Promoex). Às vezes, são picuinhas que as pessoas levam como desavença, levam pro lado pessoal. Eu não estou muito ligando para isso não. Na minha gestão, em 2009, elaborei a lei que criou a Escola de Contas Públicas do TCE; a lei que instituiu o diário eletrônico do tribunal. Na verdade, eu tive participação até na alteração da Constituição estadual, que permitiu aos órgãos criar os seus diários eletrônicos. A alteração foi feita a partir da minha proposta, a emenda foi em 2010.

DECOM – O senhor tem uma boa relação com a imprensa e os repórteres têm admiração pelo seu trabalho. Como conquistou os jornalistas?

RM – Em uma ocasião, aqui no tribunal, eu presenciei um repórter ser destratado. Quando eu assumi a presidência, eu determinei que a sessão do TCE fosse pública. Teria acesso a ela qualquer pessoa que quisesse participar. Então jornalistas todos vieram para cá. Fazia questão de anunciar, nas sessões, nome do repórter e do veículo de comunicação para quem trabalhava, não por querer me aparecer, mas, sim, também para alertar aos conselheiros que a imprensa estava presente. Procuro ajudar quem me procura. Sou acessível, sem falar que sempre agradecia ao jornalista pelas matérias ou notas a respeito do TCE, como forma de reconhecer o trabalho de todos. Isso é importante.

DECOM – A menos de um ano de sua aposentaria, como o senhor está se preparando para essa nova etapa da vida, uma vez que passa mais de 12 horas trabalhando em seu gabinete, no TCE?

RM – Minha mulher já me disse: “É bom você tirar o pé do acelerador”. E eu já estou fazendo isso. Às vezes, saio daqui 17h15 para pegar meu neto no colégio e vou direto para casa. Estou tentando mudar a minha rotina. Já são 38 anos. Se eu for convidado para assumir alguma função no serviço público assim que me aposentar, sinceramente, não vou aceitar. Não pretendo mais. Vai se candidatar a prefeito de Maués? Eu tinha essa intenção há muito tempo, hoje eu não quero mais. Quero descansar com a família.

DECOM – Qual mensagem que o senhor daria aos servidores do TCE se pudesse falar com eles de uma vez só hoje?

RM – Eu sempre orientei os servidores a cumprirem sua obrigação. Às vezes, fica-se questionando porque não foi reconhecido por ter feito um trabalho bonito e bem elaborado. Eu sempre oriento: “faz o teu trabalho correto e não espere que alguém te elogie”. Agora, uma coisa é certa, alguém poderá estar observando o trabalho que está fazendo. Você pensa que não, mas até na redação dos relatórios dos laudos técnico se sabe quem fez, nós conhecemos os tipos de redação. Reconhecemos ainda aqueles técnicos eficientes e os que não se esforçam tanto e nem fazem seu trabalho corretamente.

DECOM – E uma mensagem aos gestores?

RM – Reconheço que é muito difícil administrar. No mês de janeiro de 2008, quando assumi a presidência do TCE, eu chamei meu pessoal e disse: “até o dia 31 dezembro de 2007, eu era um martelo. A partir de hoje, eu sou o prego e o telhado de vidro. Então vamos fazer as coisas corretamente”. Se administrar o Tribunal de Contas com os seus 600 ou 700 colaboradores já é difícil, imagina administrar um município, um Estado, um país cheio de peculiaridades? É mais difícil ainda, com certeza. A legislação é feita de uma maneira geral, aquilo que serve pra União, que possui uma estrutura boa, com assessores e doutores E etc. é a mesma aplicada aos municípios de Envira, Maraã, Japurá, por exemplo. Por isso que eu questiono, às vezes no plenário, o problema de quando se exige o controle interno ou de portal de transparência. Eu sei que é necessário, mas o que acontece é o seguinte: você não tem condições no interior de um bom funcionamento da internet. O portal de transparência vai servir para o TCE, agora, para aquele contribuinte do interior não vai servir porque ele não tem acesso e nem sabe mexer na internet. Penso que os gestores devem procurar fazer o melhor, seguindo a lei.

DECOM – O que espera para o futuro do TCE?

RM – Eu espero, sinceramente, que haja uma continuidade na modernização já existente. Na verdade, eu fiz uma avaliação em 1996, quando implantaram o Fundef, em que eu participei em algumas reuniões em Brasília e São Paulo, quando criaram a lei de responsabilidade fiscal. Eu cheguei à conclusão de que o governo federal não conhecia os TCEs, a impressão que eu tive é que eles entendiam que nos TCEs só existiam pessoas sem conhecimento, tanto que em 2002, eles criaram o Promoex, pra modernizar mais os tribunais. Então é isso que eu espero, que haja essa continuidade.

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Por Elvis Chaves/ Fotos: Socorro Lins

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